sábado, 5 de outubro de 2013
Demanda por poços no Ceará supera capacidade de atendimento
Os açudes estão secando no sertão do Ceará, depois de dois anos seguidos de estiagem. Milhares de famílias enfrentam dificuldades de acesso à água de qualidade. Uma das soluções é a perfuração de poços profundos. Somente na Superintendência de Obras Hidráulicas (Sohidra) existem 2.400 pedidos oriundos do Interior do Ceará. A capacidade é de perfuração de menos de 300 poços por ano. Seriam necessários mais de oito anos para atender à demanda, já cadastrada, e que é crescente.
Para amenizar a crise de desabastecimento, o governo do Estado anunciou a perfuração de 395 poços a partir do próximo mês, por meio do programa Água para todos. Somam-se ao projeto, perfurações feitas pela Sohidra, Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) e pelo Exército. O esforço é coletivo, mas insuficiente, mediante o quadro de escassez de recursos hídricos.
O programa Água para todos prevê a perfuração de 395 poços profundos em comunidades de 182 municípios do Ceará, dividido em cinco lotes para atender todas as regiões. Por meio de processo de licitação, foram definidas cinco empresas. A ordem de serviço para o início dos trabalhos foi dada na semana passada. O governo do Estado vai investir R$ 10 milhões no projeto.
O titular da Coordenadoria de Programa e Projetos Especiais (Copi), da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), José Vanderlei Augusto Guimarães, explicou que inicialmente as empresas irão realizar estudos geofísicos para definir o ponto de instalação do poço, segundo a melhor vazão.
"A perfuração dos poços é para começar logo, nesta primeira semana de outubro", disse. "O contrato é de 12 meses, mas esperamos que o serviço seja concluído em três meses", explicou.
A SDA, até esta semana, ainda não dispunha de estimativa da população beneficiada com os futuros projetos de abastecimento. Após a perfuração dos poços e viabilidade de vazão, serão construídos os sistemas de tratamento e distribuição de água com rede domiciliar. Haverá necessidade de novas licitações para essas obras. Serão mais três meses, em média.
Tipos de solos
Até a construção e funcionamento dos projetos de abastecimento estima-se um prazo de pelo menos seis meses. "Temos que enfrentar a burocracia, mas estamos apressando as obras", observou Vanderlei Guimarães.
A geologia do Ceará apresenta pelo menos duas estruturas. A perfuração em rocha cristalina é rápida, feita em um dia, com profundidade média de 80 metros. Em subsolo sedimentar (aluvião) demanda mais tempo, três a quatro dias, com necessidade de revestimento do poço. Cerca de 70% do Estado apresentam composição do cristalino. As manchas sedimentares estão localizadas em áreas de aluvião, várzeas, na Região do Cariri, parte do Centro-Sul e litoral. Estas apresentam lençol freático mais favorável.
O titular da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), Nelson Martins, esclareceu que as comunidades beneficiadas foram escolhidas por comitês municipais do programa. Foram selecionadas aquelas que não possuem outra fonte de abastecimento - como rios ou açudes. Outro critério é que esses locais tenham de 15 a 150 famílias.
Os poços profundos são apontados com boa alternativa, pois serão usados por vários anos. O diretor de Águas Subterrâneas da Sohidra, José Borges Neto, disse que o esforço do órgão, é bater o recorde de 300 poços anuais. "Essa é a nossa meta até dezembro próximo", disse. Em 2012, foram instalados 280 poços. Neste ano, de janeiro a setembro, já foram perfurados 265 poços. "Há um esforço coletivo para tentar amenizar a crise de escassez de água provocada pela seca", observou Borges.
Insuficiente
A Sohidra dispõe de somente seis perfuratrizes para atender todo o Estado. A demanda é elevada e vem crescendo desde 2011. O número de máquinas é, portanto, insuficiente. Os técnicos só dispõem de 18 diárias a cada mês para o trabalho em campo e é preciso também fazer serviço de manutenção nos equipamentos. Segundo Borges, o índice de acerto é de 80% dos poços com vazão e a vida útil é de cerca de 20 anos.
O programa da Sohidra é permanente e já construiu mais de cinco mil poços profundos em sua história. As comunidades selecionadas são aquelas carentes, isoladas, sem infraestrutura, sem dispor de manancial de água e que reúna pelo menos 20 famílias. Além do poço, é construído um chafariz para o abastecimento das famílias.
Estudo de campo
Antes da perfuração, os geólogos vão a campo para estudos geofísicos do subsolo e das condições de estrutura da localidade. Sindicatos, igrejas, associações comunitárias e prefeituras são instituições que regularmente encaminham demandas para a Sohidra.
"Procuramos atender a todos os pedidos, mas neste ano já estamos com 2.400 solicitações registradas", disse Borges. "A situação é crítica", admite ele, diante da crescente demanda.
Faltam investimentos no setor
Os geólogos defendem a instalação de poços rasos e profundos como meio rápido, econômico e viável para atender a demanda por água de pequenas comunidades rurais e isoladas. Ao mesmo tempo, criticam a falta de investimento e de políticas públicas permanentes para a convivência com a seca no semiárido nordestino.
A Sohidra é o órgão que trabalha regularmente a perfuração de poços profundos, com uma média de 300 instalações anuais. Dispõe de apenas seis máquinas perfuratrizes. É insuficiente para atender a demanda do Ceará. Cada máquina custa cerca de R$ 250 mil.
"A estrutura do Estado acabou-se", observou o professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raimundo Mariano Castelo Branco. "Falta planejamento, pesquisa criteriosa e trabalho em longo prazo".
O geólogo crítica o serviço emergencial. "Não podemos esperar a seca chegar para sairmos cavando poços, sem um estudo criterioso", frisou ele. "Há o risco de muitos poços não apresentarem vazão adequada ou o que é pior, serem secos, trazendo perda de tempo e de recursos públicos, é dinheiro jogado fora".
O ambiente geológico da ampla maioria dos Estados do Nordeste é complexo, com composição de cristalino. No Ceará, esse tipo de rocha expande-se em cerca de 70% do território. O subsolo sedimentar dá água mais rasa, entretanto, é mais restrito. Permite a escavação das populares cacimbas e de poços rasos com profundidade média de 10 metros, a exemplo do que ocorre nas várzeas e aluviões dos rios.
O professor Raimundo Mariano observa que de dez poços profundos cavados há pouco tempo no Sertão Central, a metade não deu água. "A possibilidade de poços secos é enorme", observou. "Se não houver estudo adequado, o risco é bem maior e o programa pode fracassar".
Ele lamentou a falta de estudo e de pesquisa geológica e geofísica anterior ao projeto de perfuração em massa de poços profundos, que permitisse um mapeamento com indicações prévias. Além do risco do poço ser seco, muitas vezes, fica imprestável para o consumo humano porque a água apresenta característica salobra. Nesses casos, é preciso instalar dessalinizadores, trabalho realizado pela Sohidra.
É preciso ampliar o número de perfuratrizes e de técnicos para atender a demanda. A perfuração de poços profundos deve ser aumentada com a aquisição de mais máquinas pelo governo do Estado, defendem lideranças políticas, comunitárias e geólogos.
"Os pedidos de perfuração de poços profundos são encaminhados, mas demora muito tempo porque há uma lista enorme de espera", disse o prefeito de Iguatu, Aderilo Alcântara. "Os municípios e as comunidades rurais ressentem-se desse problema". Em Iguatu, há poços marcados pela Sohidra há mais de dois anos, mas que ainda não foram perfurados.
O diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatu, Sebastião Alves, defende a ampliação do Água para todos para amenizar a crise no sertão cearense. "A perfuração de dois poços por município é insuficiente, não atende a realidade".
O secretário de Agricultura de Iguatu, Marconi Sampaio, observou que um dos critérios do programa federal é a existência de uma fonte hídrica (poço, açude), na localidade, para ser atendida com sistema de abastecimento. "No início, havia uma resistência para a perfuração de poços profundos", frisou. "Conseguimos com muito esforço alocar três poços para o município". A Prefeitura de Iguatu já perfurou três poços profundos com recursos próprios.
O preço de perfuração de um poço profundo varia segundo o tipo do terreno e a profundidade. No cristalino, custa em média, na região de Iguatu, entre R$ 150,00 e R$ 200,00 por metro perfurado. Em aluvião, é necessário que seja colocado tubo e o preço do metro escavado está em torno de R$ 200,00. No cristalino, a profundidade média é de 60m; e no sedimentar, 20m.
Fonte: Jornal Diário do Nordeste
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